Sunday, March 25, 2007

BIBLIOTECA PÚBLICA

O escritor cearense José Luciano Sidney Marques costuma viajar à Europa nas férias. Conta-me da beleza e imponência das bibliotecas públicas do lugar. O esmero com que são tratadas as obras dos escritores e demais artistas na biblioteca de Paris, por exemplo, demonstra o quanto eles valorizam a história, não apenas a da França, mas a da humanidade.
Os cearenses parecem não ter a percepção de que se constrói um futuro melhor quando se preserva com carinho o passado. Possivelmente, o professor Auto Filho, atual secretário de Cultura do Estado (Secult), não sabe que a biblioteca pública Governador Meneses Pimentel está aos frangalhos. A fedentina que exala dos banheiros e sanitários, ao se misturar com o mofo dos corredores lúgubres, empesta o ambiente causando um mal estar insuportável. Ainda não se pode esquecer a umidade gerada pelas goteiras. Como se não bastasse, os elevadores estão quebrados.
Os gatos pingados que freqüentam a biblioteca com o intuito de realizar estudos e pesquisas sofrem com a defasagem dos aparelhos que processam a microfilmagem. Por outro lado, as coleções antigas, manuseadas com pouco zelo, necessitam urgentemente de serem microfilmadas. Afinal, a microfilmagem ainda é uma das melhores formas de preservar tais documentos.
Segundo o escritor argentino Jorge Luís Borges, “uma biblioteca deve ser o lugar mais parecido com o paraíso”. Evidente que ele se referia a uma biblioteca bem cuidada. No caso da biblioteca pública ligada ao Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar, a semelhança com o purgatório lhe cai bem.
Como um dos projetos da Secult é expandir a biblioteca pelas cidades do interior, distritos e vilas, essa será uma boa oportunidade de se fazer uma reforma naquele importante órgão onde ficam depositados livros, periódicos e outros documentos. Em assim sendo, será condizente denominá-la de sala de espera do céu.

Saraiva Júnior
Auditor Fiscal do Trabalho.

A ELITE É INSACIÁVEL

A desigualdade social no Brasil é uma das mais absurdas e cruéis do planeta. Muitos não querem entender que a maioria dos roubos, seqüestros e assassinatos advêm desse estado de desemprego e miséria a que está submetida parte significativa da população. Então, quando acontece um crime bárbaro, a mídia, como porta voz da elite, denuncia a questão pelo foco da falta de segurança.
A classe patronal, com raríssimas exceções, quer acreditar que o crescimento brasileiro está diretamente ligado à liberdade do contrato de trabalho sem as amarras dos direitos trabalhistas consagrados na Constituição Federal e Consolidação das Leis Trabalhista (CLT). Ou seja, dessa forma, a culpa do Brasil por ser um país pobre é dos salários dos trabalhadores, incluindo os vilões do décimo terceiro, das férias e do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS).
Está na moda se espelhar no crescimento de dez por cento ao ano da China. Apontam os baixos salários dos trabalhadores chineses como uma das principais causas do aumento da economia daquele país. Esquecem de mencionar que lá existe um estado forte - a maioria das empresas são estatais, a imprensa é controlada (êpa!), os produtos chineses, em muitas categorias, deixam a desejar na qualidade. Esquecem até que esse crescimento, segundo alguns analistas econômicos, tem data para a sua estagnação.
A corrida cega do capitalismo ao lucro é o único argumento que interessa. Preferem à degradação do ser humano em troca do lucro a qualquer custo. E querem passar a velha idéia de que se não existissem os tais direitos trabalhistas, aí sim, haveria mais emprego. Seria a volta da escravidão a alavanca do crescimento. Mas crescimento de quem? É importante mencionar que não se fala em desenvolvimento social. Com salários irrisórios, quem vai consumir esses produtos amanhã?
A maneira como a classe patronal procurou impor a emenda que acabava com os históricos direitos dos trabalhadores brasileiros dá perfeitamente a dimensão de que a ganância da elite é insaciável. Resta às classes populares, agora mais do que nunca, a luta pela democracia participativa com o povo nas ruas.

Saraiva Júnior
Auditor Fiscal do Trabalho

Friday, March 09, 2007

ESDRÚXULA EMENDA

Há muito tempo que parte significativa da classe patronal procura uma fórmula de acabar com os direitos trabalhistas, tais como: 13º salário, férias, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), normas de segurança e saúde, horas extras, licença maternidade e aposentadoria. Agora decidiram atacar uma das principais pilastras da estrutura da classe operária - o Ministério do Trabalho e sua ação fiscalizadora.
Trata-se da esdrúxula emenda nº3 do Projeto de Lei 6.272/05, aprovados no Congresso Nacional (exceção do bloco partidário que apóia o governo), que propõe condicionar a atuação fiscalizadora do Ministério do Trabalho, quando constatada relação de trabalho fraudulenta, ao prévio exame da situação pela Justiça do Trabalho. Ora, se a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (Anpt) declararam em nota ao público que são contra a aprovação de tal medida!
Caso essa emenda passe a vigorar, será o fim da auditoria fiscal do trabalho, exercida pelo Ministério do Trabalho, e a volta imediata do trabalho escravo no Brasil. Espera-se, pois, que o Presidente Lula vete essa humilhação em defesa da classe trabalhadora, berço de sua história de luta e glória.
É bom deixar claro que a emenda nº3 ao referido Projeto de Lei foi proposta pelo senador Ney Suassuna (PMDB/PB) atendendo a pedidos de empresas de comunicação, que costumam utilizar serviços de jornalistas na forma de pessoas jurídicas. Portanto, tais empresas fizeram lobby para aprovação dessa emenda extremamente prejudicial aos trabalhadores. Quem sabe, não é tempo de as entidades dos trabalhadores proporem um grande debate sobre mecanismos alternativos de difusão da informação no Brasil?
Engana-se quem pensa que os trabalhadores estão dormindo. Esse refluxo tático é por conta de o Partido dos Trabalhadores e de seu líder maior, Lula, estarem no poder. Mas eles sabem que podem influenciar no destino da nação, protestando contra injustiças como essa emenda que abre brechas para a exploração e o trabalho escravo.


Saraiva Júnior,
Auditor Fiscal do Trabalho.

Sunday, January 21, 2007

ORDENS NO REINO

Ao ouvir os comentários de quem fala sobre a atual política cearense, dá-se conta de que as indicações do secretariado do governo de Cid Gomes (PSB) têm bem mais nomes ligados ao senador Tasso Jereissati (PSDB) do que se possa imaginar. Nada de anormal, uma vez que tudo leva a crer que a política da união pelo Ceará foi reeditada - resta saber se como tragédia ou comédia, como diria o velho, porém lúcido comunista, Karl Marx.
É que o novo governo deu o ponta pé inicial de sua administração de forma desastrosa, quando anunciou não ter dinheiro para efetuar o pagamento do funcionalismo público. O fato de o pessoal das empresas terceirizadas perder o emprego, no duro, não foi o mais grave, embora a medida não seja das mais simpáticas. Espera-se ainda a ronda policial pelos quarteirões - essa sim é a grande esperança do povo.
Calma! O governo está apenas começando. Talvez seja o caso de baixar a bola e fazer o jogo do feijão com arroz, afinal, o time precisa adquirir entrosamento. Qualquer cidadão de bom senso, sem perder a visão crítica, sabe que o governo necessita de um tempo para ganhar ritmo administrativo e, consequentemente, a confiança dos cearenses.
Isso não quer dizer que, volta e meia, não ressurja a curiosidade em olhar pelo retrovisor da história. E não é difícil identificar personagens udenistas e pessedistas de triste lembrança. O difícil é acreditar que cabe ao Partido dos Trabalhadores (PT) o papel de defender um governo burguês. Em circunstâncias outras, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) deu início à decadência e ao descrédito junto à classe trabalhadora ao compactuar de uma aliança espúria com o então ditador Getúlio Vargas.
Mas o que dizer, se a modernidade política decretou o fim da luta de classes? Assim, sem utopia, o neo-populismo persegue os melhores índices administrativos. Com projetos em pauta, as metas do velho reformismo estão em evidência. Maquiavel ganha novas cores, cada vez mais sutis e inteligentes, para reafirmar que quem perde pode muito bem continuar dando as ordens do reino.


Saraiva Júnior,Auditor Fiscal do Trabalho

Monday, January 08, 2007

NOITE SEM TROFÉUS

No interior do estado, em cidades como Quixadá (168 km de Fortaleza), por exemplo, costuma-se falar que “fulano anda político com sicrano”. Nesse caso, o termo “político” tanto quer dizer que são radicalmente inimigos, como também pode expressar o fato de que estão confabulando, chegando a um consenso e, talvez, até armando tramóias contra o povo.
Passadas as eleições, empossados os eleitos, resta a expectativa das promessas a serem cumpridas. Essa ressaca generalizada da população em estado de espera não engrandece a democracia visceralmente dinâmica e crítica. Aliás, tal letargia política pode ser um prenúncio de uma noite sem troféus.
Como os governos aliancistas de Cid Gomes e de Lula não estão deixando espaço para as oposições, é bom que as rondas policiais nos quarteirões sejam efetivadas, que o pagamento dos professores se realize e que os nós destravem o crescimento para se tornarem, de fato, uma realidade urgente. Pois, do contrário, restará ao povo as ruas.
Tudo fora de tempo pela ação incompetente dos políticos. E, em assim sendo, até a oposição amadurecerá às avessas, ainda que tardiamente. Em vez de discursos lacerdistas, de bravatas chulas, como as dos ex-senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL) e Heloísa Helena (PSOL), nascerá das vozes roucas e dos movimentos sociais em meio à multidão a qualidade dialética da democracia participativa.
Por enquanto, a bem da verdade, a iniciativa política oposicionista no Brasil ainda é uma quimera. Ela continua a reboque do golpe de mestre dos políticos profissionais da burguesia. Por isso que o ditado popular da gente simples do sertão, quando vê políticos, antes adversários, conversando, continua tão ironicamente em vigor.



Saraiva Júnior
Auditor Fiscal do Trabalho

Tuesday, December 12, 2006

COMPETÊNCIA E COMPROMISSO

Vendo o reeleito Presidente Lula reunir-se com seus recentes ex-adversários, hoje fortes aliados em nome da governabilidade, fico a me lembrar dos políticos de minha cidade, Senador Pompeu (291 km de Fortaleza). Lá eles brigavam enquanto aqui, na capital, participavam de animadas mesas de baralho e davam boas risadas dos “trouxas” do interior.
É evidente que o contexto histórico é outro. Aliás, com a vitória do Lula, a democracia alargou-se, a economia consolidou-se e o monstro da inflação não é mais temido. Ainda há velhos coronéis que teimam em articular organizações golpistas e proferem bravatas como crianças teimosas que vestem o pijama e não querem dormir. Ainda bem que o povo já não lhes dá ouvido.
No entanto, todos sabem que quem votou no Lula queria mais. Os movimentos sociais - tais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as comunidades eclesiais de base, os sindicatos dos trabalhadores ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), os estudantes e os conselhos populares de bairro - não votaram no Lula apenas pela manutenção do programa Bolsa Família e nem pela indicação de políticos competentes para os Ministérios. Será também necessário ter compromisso com a classe trabalhadora.
A maioria da população brasileira, nessas últimas eleições, posicionou-se contra a retomada do projeto neoliberal dos tucanos. O povo detectou que o investimento no social não é o forte deles. Tudo isso, contudo, é página virada e a sociedade civil organizada, em seu legítimo papel, irá exigir mais do governo Lula nesse segundo mandato.
Buscando um avanço contínuo com as reformas que estão por vir (agrária, tributária, trabalhista e política), os movimentos sociais já marcaram posição: nenhum direito a menos. É hora de sair da toca, afinal, não há postura mais parecida com a dos antigos políticos de minha querida Senador Pompeu - ou até mesmo dos tucanos paulistas - do que a retirada da siderúrgica do Ceará.

Saraiva Júnior,
auditor fiscal do trabalho.

Monday, November 06, 2006

RAJADA DE VOTOS



A grande perdedora destas últimas eleições – outubro de 2006 – foi a oligarquia nordestina incrustada no Partido da Frente Liberal (PFL) e no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Perdeu no número de deputados e no de governadores através de um projeto político concentrador de renda, que excluía as classes sociais menos favorecidas.
A derrota dos velhos coronéis implica necessariamente em dizer que os eleitores nordestinos querem um maior compromisso do governo Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), com a tão almejada reforma agrária. Os trabalhadores estão cansados da lentidão com que a reforma caminha pelos corredores da burocracia palaciana.
Depois de séculos de dominação política através do coronelismo, em que as leis eram subjugadas e o povo humilhado, a abertura dessas urnas se deu como uma rajada de votos derrubando o chicote da prepotência e da injustiça dos velhos caciques. Isso eles jamais reconhecem e, cada vez mais, se distanciam de uma reciclagem como pressuposto de se fazer uma oposição conseqüente e séria.
Em tempos de informação diversificada e da crescente conscientização da classe trabalhadora, o mito da notícia mentirosa e repetitiva, que acabava prevalecendo como verdade, caiu por terra. Em outras palavras, também perderam com essas eleições a Rede Globo, a Veja, a Folha de São Paulo e o Estadão. Ainda bem que o povo já deu a resposta nas urnas e agora, provavelmente, dará também quando for ligar a televisão ou comprar o jornal.
No entanto, todo cuidado é pouco quando se trata de políticos. A ruptura foi leve e o modus faciend do exercício político, de quase todas as matizes, apenas mudou de fachada: em vez da troca de votos por dentaduras, preferiu-se comprar o prefeito e seu curral eleitoral. Talvez com a reforma política se possa balear, desta vez, o coronelismo moderno.

Monday, October 23, 2006


A ÁGORA DO BOTICÀRIO






Muito já se escreveu sobre a Praça do Ferreira. Uns dizem que ela é a praça dos aposentados, outros, que é a praça dos poetas, dos desportistas etc. Acredito, no entanto, que ela seja a praça das idéias e das notícias. Não há nada que circule na mídia sem que antes não tenha sido debatido no terreiro do velho Boticário. Não é exagero afirmar que não existe novidade entre o céu e a terra que primeiro não tenha passado por lá.
Admito, pois, que a Praça do Ferreira seja a Ágora do Ceará, ainda que espontânea, escrachada e inconsciente. Hoje a Praça do Ferreira, com seus debates e conversas, é a demonstração viva e pujante de que a democracia existe e pode avançar. Lá funciona a sede dos jornais alternativos O Bode e O Quintino. E até deputados, vereadores, advogados, médicos, jornalistas e poetas dão plantões em seus bancos.
Talvez fosse o caso de se criar uma tribuna do povo, com microfone, inscrição, dia e hora, para qualquer pessoa mandar seu recado, denúncia ou reivindicação. Seria o apogeu participativo da praça à contribuição do processo democrático. E, ao mesmo tempo, como não pensar em ver o louco e genial poeta Mário Gomes declamando seus versos ao final da tarde?
Claro que haveria dias da semana somente dedicados aos músicos, todos teriam vez e voz - dos repentistas, passando pelos clássicos, até os rappers. Outros, aos contadores de histórias, dos mais modernos aos contistas dos causos de alpendre das fazendas. Todos seriam chamados para enriquecer a literatura cearense, sem necessariamente ser regional.
É ousadia querer organizar a eterna, anarquista e moleca cultura cearense. Organizar para fomentar a criatividade, jamais para limitá-la. Dar ares de visibilidade aos que fazem a bela e gostosa Praça do Ferreira é hastear a bandeira do compromisso histórico de liberdade com o nosso povo, heróis e escritores que tanto dignificaram esta terra de Iracema.